Semana passada acordei com uma “notícia importantíssima” que a Gwyneth Paltrow, ou GP, como é chamada pelos íntimos, anunciou em seu podcast Goop que ela está um pouco cansada das restrições alimentares e voltou a consumir alimentos como pão de fermentação natural, queijo e macarrão. Segundo a BBC e Business Insider, ela agora busca uma abordagem mais equilibrada e prazerosa em relação à comida.

Definitivamente vejo uma mudança positiva nessa busca, depois de anos defendendo regimes restritivos, ela reconheceu que "talvez tenha sido um pouco doutrinária" e que agora busca mais equilíbrio. Mas vamos entender essa trajetória?
Em 2008, Gwyneth lançou um boletim semanal por e-mail, o Goop, onde compartilhava dicas pessoais de bem-estar, regimes de desintoxicação e recomendações de viagem.
A primeira versão do Goop consistia apenas em listas e dicas: onde ir, o que comprar, receitas... Até que em 2014 chegou o momento de transformar o site em negócio e monetizar. O que começou como uma plataforma centrada em conteúdo evoluiu para um poderoso e-commerce, surfando a crescente economia do bem-estar.
Em poucos anos, a Goop virou um império: marca de roupas, linha de cosméticos, produtora de podcasts, editora de conteúdo, portal de bem-estar e de programas de TV. Tudo sob o guarda-chuva do lifestyle. Também se firmou como um centro de polêmicas com conselhos sobre sexo e intimidade, promessas de saúde alternativa e reflexões sobre corpo, mente e alma. A verdade é que não havia parte do "eu" que a Goop não quisesse tocar (e monetizar).
Diferente da Martha Stewart, que apesar do “glamour” vendia seus produtos em lojas como Macy’s e Kmart, a Gwyneth nunca quis ser para todo mundo. A Goop sempre teve esse ar aspiracional e fazia questão disso. Em entrevista ao New York Times em 2018, Gwyneth falou: “É crucial pra mim que a gente continue sendo aspiracional. Não em preço, porque o conteúdo é sempre gratuito.” Mas os produtos, as roupas, os cremes, os óleos, eram outra história. Segundo ela, não dava pra fazer barato. “Nossos produtos são lindos, os ingredientes são lindos. Você não consegue isso por um preço mais baixo. Não dá pra fazer essas coisas para o mercado de massa.”
Quando a ideia de “ter tudo” começou a perder força entre as mulheres, o wellness apareceu. Foi uma forma de principalmente as mulheres se reencontrarem, de saírem do papel de estar sempre a serviço dos outros e, finalmente, se colocarem como protagonistas que também merecem cuidado. Não era mais sobre correr atrás de conquistas, e sim sobre lembrar da própria importância. Talvez o boom do bem-estar tenha vindo justamente depois de muitos burn-outs, de mães exaustas tentando dar conta de tudo, todos os dias. O wellness chegou porque muita gente chegou ao limite e precisava de um respiro.
O mundo do wellness invadiu tudo: a nossa vida, o nosso feed e até o ar que a gente respira. É wellness de todos os tipos: yoga, terapias alternativas, a pressão por comer só o que é orgânico, antioxidante, funcional. Mente-corpo. Meditação. Atenção plena. Kombucha, chai, leite de aveia, leite de amêndoas… todos os “leites” feitos de coisas que, tecnicamente, não podem ser ordenhadas. Qualquer coisa clean. “Viver sua melhor versão.” “Viver sua verdade.”
No começo, o boletim da Gwyneth era quase inocente: ela só indicava chás, lingeries, suéteres fofos. Mas em 2014, a coisa começou a tomar forma, ou melhor, a virar o GOOP que a gente conhece hoje. A newsletter passou a misturar dicas de bem-estar com sugestões… digamos… bem alternativas.
O cardápio incluía de tudo: conselhos de psicoterapeutas, recomendações médicas sobre vitamina D, venda de vitaminas próprias da marca, escovação corporal, detox, dietas, cristais, vida após a morte , e, para mim o mais surreal de todos, um repelente de vampiros psíquicos, um “spray elixir” feito com pedras preciosas que prometia neutralizar más vibrações. Sério.
De lá pra cá, o Goop passou a publicar entrevistas com médicos, curandeiros, médiuns, endocrinologistas, psicólogos, todos dispostos a responder as perguntas que a modernidade não dá conta:
Por que estou tão infeliz?
Por que estou tão cansada?
Por que estou tão gorda?
Por que não quero mais transar?
A lista de temas só cresceu: apiterapia (terapia com veneno de abelha), ashwagandha, adaptógenos, doenças autoimunes, tireoide, artrite, celíaca, tudo junto e misturado. Gwyneth e Shiva Rose (amiga pessoal e curandeira) defendem o uso do famoso Jade Egg — um ovo de jade inserido na vagina, inspirado nas práticas das concubinas, que supostamente ajuda a prevenir o prolapso uterino e a elevar a energia feminina.
Teve também escova corporal que promete ativar o sistema linfático, xampu com sal pra “desintoxicar o couro cabeludo” e garrafinha com quartzo rosa pra infundir a água com boas vibrações. Acho que vale a pena pesquisarmos sobre as verdadeiras energias carregadas pelos cristais de cura.
Com relação a apiterapia, ela consiste em aplicar veneno de abelha direto na pele por picadas reais ou injeção. Tem quem diga que ajuda com inflamação e dor crônica, mas as evidências científicas são limitadas e o risco de uma reação alérgica grave (inclusive anafilaxia) não é exatamente pequeno.
Com todos os dados do portal, a Goop sabia exatamente no que os leitores clicavam e foi rápida o bastante para transformar as matérias em produtos.
Em 2015, uma matéria sobre cosméticos livres de disruptores endócrinos fez sucesso no site. A resposta veio rápido: a Goop lançou a Goop by Juice Beauty, uma linha de cremes, óleos e limpadores “clean” que prometiam beleza segura e consciente — com preços à altura do discurso. Em 2017, outro sucesso de audiência: uma matéria sobre “esgotamento pós-parto”, termo criado por um dos próprios médicos da marca. A partir daí, surgiu a Goop Wellness, com protocolos de vitaminas para tudo: energia, foco, TPM, peso. Afinal, cada desconforto da vida moderna parecia ter seu suplemento ideal, desde que bem embalado e vendido com propósito.
Segundo o site, os produtos resultaram em US$ 100 mil em vendas só no primeiro dia.
Quanto mais esquisita a Goop, mais seus fãs se identificavam e amavam. E quanto mais eles amavam, mais a imprensa criticava. Cada crítica só trazia mais cliques, mais curiosos e mais gente frustrada com a medicina tradicional que via na Goop uma chance de resposta, mesmo que fosse em forma de cristal ou vitamina com nome esotérico. Em contrapartida médicos acusando os produtos e o portal de pseudociência e informando que as terapias passaram de "bizarras" para o "perigosas".
Mesmo com todas as críticas e hates, a marca resolveu dobrar a aposta. Fincou o pé no chão (de preferência um chão rico em selênio e energias vibraconais 🫠) e virou um movimento. Virou causa. E a Gwyneth virou mártir do bem-estar premium.
Ela transformou crítica em branding, lama em estética, e autoironia em estratégia de marketing.
Ao longo das práticas as soluções são criadas e vendidas quase que automaticamente. Em 2023 o detox de janeiro vem associado ao G.Tox 7 day reset kit vendido por US$ 195.
De acordo com a McKinsey, o mercado de bem-estar nos Estados Unidos cresceu para US$ 480 bilhões em 2024 — um mercado gigantesco que, segundo estimativas da empresa, cresce entre 5% e 10% ao ano. Em 2023, o mercado brasileiro de bem-estar movimentou aproximadamente US$ 96 bilhões, representando cerca de 5% do PIB nacional. Com esse desempenho, o Brasil ocupa a 12ª posição no ranking global e lidera na América Latina. Para quem tiver interesse em mais dados, esse estudo da Mckinsey de 2021 é muito interessante e fala mais detalhadamente sobre esse mercado de 1,5 trilhão de dólares globalmente.
Vale refletir que produtos e influenciadores do universo do bem-estar frequentemente seduzem os consumidores com alegações sobre a ciência por trás de suas propostas. Mas essas alegações muitas vezes são contraditórias. Influenciadores do bem-estar exaltam seus produtos e intervenções como cientificamente comprovados, ao mesmo tempo em que rejeitam descobertas de especialistas e estudos científicos.
Fica aqui a reflexão sobre a velha fórmula de inventar o pecado pra vender o perdão.
Vivemos em um mundo acelerado, onde a saúde virou mais um produto. Como se pudéssemos simplesmente comprar bem-estar.
A Goop não virou império por acaso. É uma marca construída em cima de uma fórmula tão sofisticada quanto previsível: uma celebridade carismática, uma boa dose de pseudociência e produtos caríssimos embalados como autocuidado. Gwyneth Paltrow empresta seu rosto e sua aura de iluminação para validar os produtos. O bem-estar aqui é aspiracional, quase espiritual, desde que você possa pagar por ele. As polêmicas são parte do plano: cada crítica vira marketing gratuito, cada escândalo, um novo clique. Não à toa, a marca virou experiência: retiro, cúpula, série da Netflix. E no centro de tudo, o verdadeiro mantra: compre. Compre seu detox, sua paz interior em cápsulas, sua água energizada.
No fim das contas, não é só sobre a Gwyneth ou a Goop. É sobre como a promessa do bem-estar tem sido empacotada, vendida e romantizada.
Que a gente siga atento(a), questionando mais e consumindo menos fórmulas prontas.
Bjs,
PV
O mercado de bem-estar não cresce só em produtos — ele também se expande em experiências. O turismo de bem-estar está em alta, acompanhando de perto a escalada da economia do autocuidado. Quem aí já se pegou sonhando com um retiro em Bali depois de maratonar White Lotus? Quem já foi pra um hotel wellness com mantra no check-in, travesseiro de lavanda e uma água energizada? A pergunta que fica é: quem energizou essa água? Quando? Com que autoridade energética?
Amei esse dossiê! Tema super relevante para nós e os nossos filhos. Vamos ler, entender e “fact check”
A pergunta que não quer calar: quem energizou a água? rs. Amei essa edição. Só verdades, mas vamos combinar que a humanidade está crédula demais... querendo ganhos imediatos de "bem estar , saúde e prosperidade" vendidos em potes cheios de glamour.
Beijinhos.