Essa carne é boa para quê?
dúvidas e devaneios alimentares e um guia de cortes de carnes para o leigo
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[PV] Eu me lembro até hoje o dia que peguei a lista de supermercado e fui as compras com a “responsabilidade” de alimentar uma família. Que momento. Cansei na segunda semana com as reclamações de cardápio e as compras erradas. Cresci em uma casa em que minha mãe não era muito conectada com a cozinha, ela tinha poucas habilidades e nenhuma aptidão + um pequena paranóia de limpeza (te amo mãe). Era difícil se conectar com a cozinha nessas circunstâncias. Quando minha mãe viajava, minha irmã e eu partíamos para a cozinha e usávamos TODOS os eletrodomésticos que ela tinha trazido das américas e eram subutilizados kkkk. Fazíamos uma profusão de cookies e bolos, sujávamos a cozinha com categoria e quando ela voltava tudo estava guardado nas suas devidas caixas e nos seus devidos lugares.
Mas por que cargas d'água eu estou contando essa história?
Para justificar a minha completa falta de noção ao fazer compras e coordenar o cardápio da casa. Carne era pra mim uma incógnita e praticamente uma compra "surpresa". Perguntava no mercado para as senhorinhas ou para o açougueiro como quem não quer nada qual carne era boa para os preparos que eu “sonhava” em fazer.
Quando a introdução alimentar dos meninos sugeriu músculo ou peito de frango me apeguei nessas duas opções e fiquei nelas POR MESES. A introdução alimentar virou o cardápio da casa.
E eu? Exausta que estava de fazer cardápio deixava de comer e jantava cream cracker de gergelim. Comprava 10 pacotes de cream cracker por mês, músculo e frango para as crianças e o Bruno tinha dias de luta e dias de glória com as experiências gastronômicas da casa. kkk
Com esse contexto venho por meio desta afirmar que tudo mudou. Nada como a experiência não é mesmo? Hoje tenho meus cortes preferidos e um freezer recheado com as carnes e os preparos de sucesso da casa. E pensando no leigo que habita aí produzimos um PDF exclusivo para vocês imprimirem ou baixarem no celular e consultarem quando necessário. (Esse presente era tudo que o meu eu do passado precisava!)
[LZ] A minha experiência pessoal não poderia ser diferente do relato da Paula (e é justamente por isso que a gente se complementa 💛). Cresci na fazenda, onde animais eram criados para o consumo próprio. Desde muito pequena acompanhava os dias de carneação. E diferente de quem tem acesso a carne como ela aparece disposta no supermercado, quando a gente carneia um animal a gente aproveita tudo o que é comestível. Desde miúdos como língua, fígado e até o rabo. Não existe a possibilidade de desperdiçar um pedaço se quer. E foi assim que eu cresci com um contato muito próximo com carne de vaca, de porco e de frango. Foi ajudando nos dias de carneação que aprendi com a minha mãe a fazer embalagens achatadas para otimizar espaço no freezer e agilizar o processo de congelamento (e descongelamento).
Toda essa exposição certamente contribuiu para explorar supermercados ao redor do mundo com mais confiança (e não foram poucos). Desde que passei a comprar carne no supermercado já moramos em 4 países diferentes e se tem uma coisa que eu posso garantir é que os cortes de carnes não são iguais em todos os países do mundo.
Quando nos mudamos para a Guiana, logo percebi que um fator cultural tinha impacto direto nos cortes de carne disponíveis no mercado. Uma grande parcela da população guianense é hindu e considera a vaca um animal sagrado. A impressão que eu tinha algumas vezes era que eles separavam o filé mignon (que tem uma característica bem peculiar) e o resto do boi quadriculavam sem respeitar muito os desenhos naturais dos músculos.
Depois nos mudamos para os Estados Unidos e foi um novo desafio encontrar cortes favoritos para cada preparo com a possibilidade de explorar novos supermercados e uma disponibilidade bem mais ampla de cortes. Eu me lembro que comprava sobrecoxa de frango no Costco em uma embalagem de plástico que eu brincava que parecia um tapete. E para um preparo express, eu amava grelhar skirt steak (me lembrava muito a fraldinha) que eu comprava no Whole Foods na saída do trabalho.
Quando chegamos no Uruguai, foi um verdadeiro deleite, pois Rodrigo especialmente tem uma preferência significativa por carne bovina. Vivemos uma deliciosa temporada de fácil acesso a carnes de excelente qualidade e muito churrasco. Uma das nossas experiências preferidas era justamente almoçar no balcão da La Pulpería, um lugar super simples onde a excelência era a qualidade das carnes com um sabor diferenciado e um ótimo custo benefício. A fama é justificada.
E agora, em Londres, mais uma vez passei pelo processo de chegar em um supermercado novo e aprender qual corte é bom para quê. Chegamos a conclusão que não vamos conseguir fazer uma tabela com equivalências de todos os cortes de carne aplicáveis a todos os países no mundo. Mesmo porque nem sempre existem os mesmos cortes em todos os países. E nem sempre a qualidade da carne é similar para que os resultados sejam equivalentes apesar da utilização dos mesmos cortes.
B•A•Básicos - cortes
Preparamos um compilado de cortes que pode servir de guia especialmente para quem se sente inseguro na hora de escolher a carne mais indicada para cada preparo. Não se sintam na obrigatoriedade de seguir essas recomendações, essa lista não é um manual definitivo. Somos entusiastas da liberdade nas substituições por aqui e não queremos de forma alguma limitar as possibilidades de vocês com nossas sugestões.
Para baixar o arquivo em PDF, clique no link abaixo.
E como a dificuldade de encontrar equiparações entre nomes e cortes é real, preparei uma listinha com alguns dos cortes que eu mais compro aqui no Reino Unido.
Bavette Steak | Flat Iron | Quick fry | Flank Steak são cortes que compro frequentemente. Bavette, Flat Iron e Flank Steak eu utilizo para fazer picadinho, cortar em tirinhas e grelhar, mas principalmente preparar usando a técnica do bife perfeito (mais abaixo explico detalhadamente). Quick fry é uma opção que compro no Costco, que são bifes fatiados e uso para fazer bife à milanesa e até cortar em cubinhos para fazer estrogonofe. Roast joint é um corte que eu gosto de comprar para fazer carne de panela. Filet mignon é o meu favorito para rosbife.
Short ribs - costela eu sempre compro no Costco e preparo assada para utilizar de diversas maneiras. Pork Shoulder é um dos cortes que compro para fazer carne de porco desfiada.
Com a excessão dos cortes bavette, flat iron, e roast joint que geralmente compro no Morrisons a grande maioria das carnes eu costumo comprar no Costco.
Carne moída | um capítulo a parte
O processo de moer naturalmente quebra as fibras da carne. Na fazenda, a carne que destinávamos para moer era justamente uma carne com mais nervuras, não tão limpa. Como eu já mencionei, faz parte do processo aproveitar ao máximo todas as partes comestíveis do animal. Agora se você está comprando sua carne no supermercado, pode optar para pedir para o açougueiro moer um pedaço específico de carne e assim garantir que seja um corte mais magro, por exemplo, sem muita gordura se você assim desejar (ou com mais gordura, se a ideia for fazer um hambúrguer mais suculento).
No exterior, não é tão comum existirem açougues integrados aos supermercados com balcão de atendimento ao público em que você pode chegar e pedir para moerem um pedaço de carne, ou pedir para que um corte seja limpo e cortado em bifes. O expatriado não tem acesso a esses luxos e os açougues mais gourmets que existem em Londres onde essa opção seria uma possibilidade, tem preços significativamente mais elevados do que os supermercados comuns.
O que é que dá para escolher então?
No Reino Unido (e de forma similar nos EUA), a carne moída geralmente é etiquetada com uma porcentagem, como 5%, 10%, 15%, ou até 20%, indicando o teor de gordura da carne. As porcentagens ajudam o consumidor a escolher a carne moída de acordo com suas necessidades nutricionais ou o tipo de prato que será preparado. Porcentagens menores tem um menor de teor de gordura, ideais para nossa bolonhesa, por exemplo. E porcentagens maiores ficam mais interessantes em hambúrgueres ou almôndegas. Uma das receitas mais deliciosas de almôndega que eu já fiz é uma mistura de carne moída bovina e carne moída suína, que é facilmente encontrada nos supermercados por aqui.
Eu, particularmente, já cozinhei algumas vezes com a carne moída 20% e não gostei. Não acho saborosa e ao preparar a gordura vai derretendo e acumulando no fundo da frigideira de maneira impactante. Opto sempre por comprar a menor porcentagem que encontro no supermercado.
FATO CURIOSO: geralmente nas prateleiras dos supermercados, é possível encontrar hambúrguer e almôndegas de produção própria. ATENÇÃO: para aumentar o tempo de prateleira, muitas vezes conservantes são adicionados a essas preparações e eles tendem a não ser nada “naturalérrimos”. Já encontrei opções com rótulos mais limpos na sessão de congelados. Sempre importante ler os rótulos.
TOUR DO FREEZER - dica de congelamento
Dica de congelamento - No episódio que compartilhamos essa semana no Instagram, ensinamos a fazer embalagens achatadas com marcações para facilitar o fracionamento de porções. Dica boa válida para alho triturado, carne moída crua ou alimentos já preparados.
E se você aproveita o dia de compras no atacadão ou a promoção de carnes do supermercado, não deixe de chegar em casa e organizar as proteínas para facilitar o processo de congelamento e descongelamento. Reservar um tempo logo após a chegada das compras para organizar o fracionamento exige mais do que apenas guardar tudo como veio, mas seu 'eu' do futuro vai agradecer por essa organização extra. Clicando nesse link você pode ver um vídeo com vários exemplos de como eu armazeno as proteínas depois de uma compra maior no supermercado.
EXTRA!!! EXTRA!!!
Bife PERFEITO e sem sujar o fogão!
[LZ] Você também gosta de bifes, mas nem sempre tem o tempo disponível para organizar a cozinha e ficar limpando a frigideira e o fogão depois do processo concluído? Essa técnica é para você!
Eu aprendi a fazer bife temperando a carne na hora do preparo, aquecendo muito bem uma frigideira, colocando a gordura, adicionando o bife e não mexendo. Deixando dourar de um lado, deixando dourar do outro. Finalizando no forno. Descanso e corte. Nesse processo a gordura da frigideira já respingou todo o fogão, a temperatura já subiu e produziu a maior fumaceira. A coifa tá dando tudo de si e o ar da cozinha (e até da casa) continua azulado.
Apesar de gostarmos muito de bifes, eu já tinha desistido de fazer com frequência só pelo trabalho extra de limpar tudo depois. Sem falar que disparava até alarme de incêndio (em duas ocasiões! David sempre ficava na expectativa do caminhão de bombeiros chegar e até o travesseiro fica cheirando a bife).
Um amigo muito generoso me encaminhou um vídeo do canal no youtube da America's Test Kitchen e, desde que eu assisti, fiquei apenas obcecada.
A principal diferença na técnica de preparo do bife em comparação com técnicas mais difundidas é começar a cocção com uma frigideira fria e sem adicionar nada de azeite ou manteiga e deixar para temperar com sal no final.
A grande vantagem dessa técnica é justamente pular essa etapa de fazer bagunça no fogão. Utilizando fogo alto (mas não altíssimo, se começar a fazer fumaça, tá alto demais) nos primeiros 4 minutos de cocção, o restante do tempo (que vai variar de acordo com a espessura do bife e do ponto desejado) é com uma temperatura bem baixa. Como não teve nenhuma gordura adicionada à frigideira, não tem nada respingando. Como a temperatura está controlada, não tem nenhuma fumaça.
O resultado final é um bife com uma bela caramelização e muito suculento. Nos primeiros dois minutos a carne não fica lindamente dourada, mas não temos que nos preocupar. A caramelização vai ser construída em camadas. Para um bife com aproximadamente dois dedos de espessura ficar ao ponto, eu deixei ele na frigideira por 12 minutos. Ou seja, 6 minutos de cada lado.
Um esqueminha para ficar fácil de entender. Usei o timer do celular.
Tabela de tempo:
2 minutos lado A fogo alto
2 minutos lado B fogo alto
2 minutos lado A fogo baixo/bem baixo
2 minutos lado B fogo baixo/bem baixo
2 minutos lado A fogo baixo/bem baixo
2 minutos lado B fogo baixo/bem baixo
O descanso antes de cortar é imprescindível para que os sucos se estabilizem e a carne se mantenha suculenta. Deixei descansando por 5 minutos antes de fatiar.
Depois de fatiar, agora é a hora de colocar o sal! Utilizando essa técnica não é recomendado colocar sal no início do preparo, pois desidratar a carne prejudicaria o processo de caramelização. Eu finalizei com sal maldón que ainda acrescentou uma textura ao produto final.
Lendo tudo isso pode até parecer complicado, mas depois de fazer vários testes, já internalizei o processo e não tenho dúvidas que prestar atenção aos tempos de virar os bifes é muito mais simples do que lidar com o fogão todo respingado e a casa cheirando a fumaça.
Já ensinei o passo-a-passo desse processo em dois vídeos compartilhados no Instagram. Clique aqui para assistir um mais curtinho e clique aqui para assistir um mais longo.
E o mais legal: você consegue utilizar essa técnica e deixar a carne no ponto da sua preferência!
🚨 ALERTA POLÊMICA:
Embora os substitutos de carne à base de plantas sejam amplamente promovidos como opções mais sustentáveis e, por vezes, mais saudáveis que as proteínas de origem animal, é essencial prestar atenção aos ingredientes utilizados na fabricação desses produtos. Os hambúrgueres plant-based são uma resposta à crescente popularidade das dietas à base de plantas. Feitos com proteínas vegetais, como soja e ervilha, eles imitam a carne em sabor e textura, mas são ultraprocessados devido aos aditivos usados para replicar as características da carne. Isso pode afetar a qualidade nutricional, então é importante ler os ingredientes e optar por opções com alimentos in natura. Uma alternativa é fazer hambúrgueres caseiros com grãos como lentilha ou grão-de-bico.
🚨 NA OUTRA REDE:
No Instagram o Fábio Açougueiro viralizou e tem dicas excelentes sobre cortes de carne pra quem quiser acompanhar esse assunto por lá.
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💭 Conta aqui para nós se você é do time confiante quando chega no açougue ou se você fica bolada diante de tantas opções?
Beijos,
Luisa Zuffo e Paula Valansi
Aprendo tanto com vocês e cada dia mais vou me aventurando na cozinha (PV me identifiquei com a sua mãe e a paranóia de limpeza, mas estou evoluindo e me liberando dessa paranóia).
Amei o vídeo da carne grelhada, vou testar esse método.
Quanto as carnes moídas no supermercado, as daqui são sempre "preparados de carne moída", ou seja, não é 100% carne, eles colocam umas tranqueiras e nunca me aventurei a conversar com um açougueiro. Vou tomar coragem! Hoje eu encontrei um hamburguer 100% carne, minha filha aprovou.
Bjs e até a próxima.
Que post MARAVILHOSO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Nossa, me salvaram! Amei! Muito muito muito muito obrigada!